domingo, 12 de julho de 2015

Pedaços de Escrita #35





Deu um gole no café, ainda a escaldar, e mordiscou o queque de chocolate. Depois deixou-se divagar na observação das pessoas que passavam, apressadas nos seus afazeres; exasperou-se, pegou na caneta e escrevinhou mais algumas linhas no seu muito gasto caderninho de couro. Outro gole, outra mordidela, mais umas quantas linhas. As horas foram passando, o sol seguiu a sua trajectória e a jovem escritora pediu outro café e outro queque. Quedou-se numa nova observação silenciosa, desta vez saboreando o pequeno lanche com satisfação e sensação de dever cumprido. A luz escoava-se rapidamente, o que a fez apressar-se. Deixou as moedas em cima da mesa, recolheu as suas coisas e saiu do café no seu passo curto e ritmado, seguindo em direcção ao pequeno supermercado ao fundo da rua, para comprar qualquer coisa para o jantar. Percorreu os corredores sem pressa, procurando os seus produtos preferidos. 

Feitas as compras, regressou a casa e preparou a refeição, sentando-se a comer calmamente, à espera que o companheiro regressasse. Lavou a loiça e arrumou a cozinha, depois sentou-se na sua cadeira de baloiço com um livro. Pareceu-lhe que tinham passados meros segundos quando ouviu a chave na porta. Pousou o livro e levantou-se para o receber, rodeando-lhe o pescoço e beijando-o apaixonadamente. Ele ergueu-a nos braços, sorrindo, e beijou-a de novo. Ficaram abraçados alguns instantes, desfrutando do carinho, e seguiram para o quarto, amaram-se e adormeceram nos braços um do outro, mitigando as saudades das longas semanas de separação. Era sempre assim depois das ausências e dos amuos.

Seria assim com todos os amantes? Não sabiam dizer, mas sabiam que aquele carinho cúmplice era bom até para a alma; era parte do seu equilíbrio como seres individuais e como um todo e parte da sua natureza de amantes apaixonados. Podiam viver uma vida boa, assim, naquela cumplicidade de loucura e paixão, saudade e fúria, conforto e ternura. Porque era assim, a sua natureza de amantes: contraditória, mas tão certa à sua maneira. Eram felizes. 

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Cavalheiro Inglês, Carla M. Soares





"No seio de uma família, há corações que se agitam entre o curso da História e o irresistível perfume dos livros"

Depois de meses a ansiar pela leitura deste livro, e depois da satisfação que me deu a leitura de Alma Rebelde, não consigo resumi-lo numa só palavra. Está excelente e é muito divertido, mesmo tendo em conta a tenção da época histórica em que se desenrola a narrativa. Mais uma vez, Carla M. Soares transporta-nos para dentro da história e da vida de personagens autênticas, verdadeiras e, atrevo-me a dizer, muito reais. É impossível ficar indiferente à irreverência e temperamento dos dois irmãos ou mesmo ao descaramento do cavalheiro inglês, em oposição a uma sociedade de mentalidade obsoleta e vaidade absurda, numa altura em que o descontentamento com a monarquia e a situação decadente do país emergia rapidamente. Um romance repleto de peripécias familiares, sociais, amorosas, enternecedoras e inquietantes, que acompanham o crescimento e desabrochar da protagonista face ao mundo que a rodeia, a qual acaba por encontrar no casamento, não a "prisão" e resignação para as quais eram educadas as meninas de bem, mas a tão almejada liberdade de escolha e decisão negada à maioria. Este é mais um daqueles que terminei com um sorriso, que cedo se tornou um dos meus favoritos e que certamente irei ler muitas vezes. 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Pedaços de Escrita #34






Deixei-me absorver, logo aos primeiros acordes da guitarra, naquele tom country, e deixei de ouvir o rumor das conversas ociosas que giravam à minha volta, nesta e naquela direcção. E a minha mente voou, recuando até àquela leda madrugada, cheia de conversa, riso e carinho; aquela em fiquei nos braços dele sem pensar em nada, porque nada me podia atingir. O meu coração deu um salto e olhei em volta: lá está de novo, aquela sensação de que o vou ver entrar pela porta aberta a todo o instante; e de repente, está mesmo, com o mesmo sorriso caloroso de sempre, o olhar ardente na minha direcção.

A música continua  a tocar enquanto ficamos ali a olhar-nos um ao outro sem nos mexermos. Quando finalmente as nossas mãos se tocam, o toque é igual ao primeiro, mas melhor, porque desta vez sei que não há razão para medos, nem inseguranças. Ele puxa-me para uma dança, apertando-me gentilmente nos braços, inspirando profundamente. Parece um sonho, mas todo o meu corpo me assegura que não; que esta noite é real, que o nosso amor é real e forte o suficiente para perdurar no tempo.

Olhamos um para o outro, tomados por um mesmo pensamento e rimos entre nós. A música pára e começa de novo; continuamos a dançar, ignorando o resto do mundo. E de manhã não é apenas uma recordação, mas o começo de uma nova página nas nossas vidas.