segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Pedaços de Escrita #40






Sou uma princesa das letras, uma rainha de silêncios e esperas. Caminho pelo palco deserto da vida, com passos leves e precisos. As palavras são meros murmúrios na calma do espaço vazio. Com passos de ballet, executo um bailado com a caneta, a tinta escorrendo pelo papel como a água de um rio pelo leito pedregoso. As palavras unem-se, formando frases e depois parágrafos, como as pedras que erguem os muros de um castelo. Endireito a tiara na cabeça, rodo a caneta algumas vezes entre os dedos, com um suspiro exasperado. Depois de mais um silêncio irrequieto, a caneta dança mais uma vez pelo papel, numa dança louca, repleta de saltos vorazes e piruetas arrebatadoras. E o texto cresce, cresce, cresce... Quem sabe onde vai parar?

A luz é diminuta e o silêncio adensa-se, mas a caneta exerce um fascínio mágico sobre a minha mente e não pára. A arte da palavra é exigente e caprichosa, dominada apenas pelos mais corajosos, aqueles que se atrevem a tecer os fios de uma história. Sou uma princesa das letras e, de cabeça erguida, trabalho a minha arte o melhor que sei, sempre em constante evolução e aprendizagem. E enquanto a noite avança, a escrita fluí como elegância, ritmo e efervescência. Quando o dia rompe e as sombras se diluem, as palavras esgotam-se e a caneta pára, o fluxo de electricidade abranda. Um bocejo súbito anuncia o esforço excessivo que o capricho da arte obriga. Reclino-me no sofá, fecho os olhos e mergulho no merecido descanso de uma princesa das letras. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Deslumbra-me, Maggie Shipstead





Este livro suscitou-me muita curiosidade, porque adoro ballet (pratiquei em pequena e tenho pena de não ter continuado) e porque nunca tinha lido nada que contemplasse esse mundo. Gostei muito, mas confesso que me senti um pouco frustrada com o final. Apesar de tudo, este romance é, de facto, deslumbrante, quer pela escrita de cadência realista, que transmite uma sensação de flutuação, como se também o leitor estivesse em palco, quer pelo enredo e caracteriação das personagens. Uma história que começou como um conto e que se transformou num romance excelente que fala sobre o amor pela dança, o confronto com a verdade e o passado e a capacidade de aceitação e de perdoar, porque, por vezes, não existem segundas oportunidades. Este é mais um daqueles que deve ser lido e relido, sobretudo se gostarem de ballet.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Pedaços de Escrita #39





Desde manhã que se sente nostálgica. Desde que passara pelo estúdio de dança e vira, por acaso, o decorrer de uma aula de ballet. As meninas alinhadas na barra, envergando maillot preto, collants, tutu, e sapatilhas cor-de-rosa, e o carrapito, muito perfeitinho, no alto da cabeça. Movem-se todas ao mesmo tempo, seguindo, sincronizadas, as instruções da professora. Suspira, sacudindo a memória, e percorre a prateleira com os dedos, à procura do álbum de fotografias. Encontra-o no fundo e senta-se na cadeira de baloiço, folheando-o à meia luz que entra pela janela. O dia é fugidio, já quase deu lugar à noite. Então Mabel encontra o que procura: uma fotografia de quando era criança, envergando um maillot preto, uns collants cor-de-rosa, tutu e um carrapito no alto da cabeça. O pequeno rosto exibe um sorriso radiante, apesar da postura rigorosa. 

Sorri à fotografia. Também já praticou ballet quando era menina, mas não se lembra porque parou. Quem sabe se não seria (ou teria sido) uma boa bailarina? Teria participado em bailados no teatro e na ópera e talvez tivesse criado alguns. Mas tudo isto não passa de sonhos de menina e Mabel já é uma mulher adulta. Fecha o álbum e põe-no de lado. Depois afaga o ventre redondo e pesado por causa do bebé. Talvez tenha uma menina que se interesse por ballet. Seja o que for que a vida lhe reserve, Mabel dispõe-se a aceitá-lo, porque aprendeu cedo a aproveitar as oportunidades e está certa que esta será uma delas.

***

Mabel sorri e acena, retribuindo o aceno entusiástico da pequena Isolda. Aos seis anos, é o seu primeiro bailado, depois de três anos de muito esforço. Sente-se feliz e orgulhosa da sua pequenina, que sempre quis ser bailarina. A menina corre de regresso aos bastidores, onde a jovem companhia aguarda pelo silêncio do público para que o pano suba. Mabel olha para o marido, Will, e para o pequeno e irrequieto Harry, que espera ansioso para ver a irmã a dançar. Will retribui o olhar e o sorriso.
- Vai correr tudo bem - diz ele baixinho.
- Eu sei - responde ela no mesmo tom.
E quando a música começa, faz-se silêncio e o pano sobe. 

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Pedaços de Escrita #38





Afinal quando vem o frio? Estamos a meio de Novembro e mas parece que ainda estamos em Setembro! Deveríamos querer usar camisolas de malha, gorros, luvas e meias; beber bebidas quentes e procurar refugiarmos-mos do vento gelado e do tempo chuvoso, mas este ano o Inverno tarda em aparecer. Os dias passam, sempre solarengos, mas levemente frescos, como fosse Primavera e não Outono, quase Inverno. Está tudo trocado nos dias que correm e era bom voltar a ter estações do ano normais, no tempo certo. Mas será que isso ainda é possível? Ou ter-se-ão perdido todas as hipóteses de recuperar a naturalidade e a normalidade do tempo e das coisas naturais? Talvez amanhã ou um dia mais tarde ou mesmo nunca venhamos a descobrir a resposta a esta pergunta. Por agora resta-nos esperar para ver o que acontece e que a normalidade regresse depressa a este mês de Novembro.