sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Pedaços de Escrita #39





Desde manhã que se sente nostálgica. Desde que passara pelo estúdio de dança e vira, por acaso, o decorrer de uma aula de ballet. As meninas alinhadas na barra, envergando maillot preto, collants, tutu, e sapatilhas cor-de-rosa, e o carrapito, muito perfeitinho, no alto da cabeça. Movem-se todas ao mesmo tempo, seguindo, sincronizadas, as instruções da professora. Suspira, sacudindo a memória, e percorre a prateleira com os dedos, à procura do álbum de fotografias. Encontra-o no fundo e senta-se na cadeira de baloiço, folheando-o à meia luz que entra pela janela. O dia é fugidio, já quase deu lugar à noite. Então Mabel encontra o que procura: uma fotografia de quando era criança, envergando um maillot preto, uns collants cor-de-rosa, tutu e um carrapito no alto da cabeça. O pequeno rosto exibe um sorriso radiante, apesar da postura rigorosa. 

Sorri à fotografia. Também já praticou ballet quando era menina, mas não se lembra porque parou. Quem sabe se não seria (ou teria sido) uma boa bailarina? Teria participado em bailados no teatro e na ópera e talvez tivesse criado alguns. Mas tudo isto não passa de sonhos de menina e Mabel já é uma mulher adulta. Fecha o álbum e põe-no de lado. Depois afaga o ventre redondo e pesado por causa do bebé. Talvez tenha uma menina que se interesse por ballet. Seja o que for que a vida lhe reserve, Mabel dispõe-se a aceitá-lo, porque aprendeu cedo a aproveitar as oportunidades e está certa que esta será uma delas.

***

Mabel sorri e acena, retribuindo o aceno entusiástico da pequena Isolda. Aos seis anos, é o seu primeiro bailado, depois de três anos de muito esforço. Sente-se feliz e orgulhosa da sua pequenina, que sempre quis ser bailarina. A menina corre de regresso aos bastidores, onde a jovem companhia aguarda pelo silêncio do público para que o pano suba. Mabel olha para o marido, Will, e para o pequeno e irrequieto Harry, que espera ansioso para ver a irmã a dançar. Will retribui o olhar e o sorriso.
- Vai correr tudo bem - diz ele baixinho.
- Eu sei - responde ela no mesmo tom.
E quando a música começa, faz-se silêncio e o pano sobe. 

Sem comentários:

Enviar um comentário