terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Pedaços de Escrita #41






Perto do rio, o nevoeiro adensava-se invernosa enquanto caminhávamos pelo trilho escorregadio, num passo estugado. A luz pálida tornou-se mais forte enquanto o sol corria pelo céu e a manhã se escoava. A viagem nunca me parecera tão longa como nesse momento, porque continuávamos a caminhar num ritmo cada vez mais rápido e quando chegámos a uma bifurcação, Liam praguejou. Percebi pela sua expressão que o dilema lhe corroía os nervos. Ponderou a situação por um momento e, sem um único olhar de relance para mim, avançou a passos largos pelo trilho da direita. Respirei fundo, engoli uma resposta torta e seguiu-o, embora me apetecesse bater-lhe. Não trocáramos uma palavra desde a discussão da noite anterior, e não era eu quem tinha de dar esse passo. Ele sabia que eu tinha razão, mas teimara em ignorar as minhas palavras e insistira nesta viagem repentina, arrastando-me com ele, quando não havia motivo para precipitações, embora eu tivesse visto o medo nos seus olhos e a urgência nos gestos.

Caminhávamos há tanto tempo que eu já perdera a conta aos dias, mas as grandes neves estavam a chegar, o que significava que não podíamos demorar na estrada. O nevoeiro começou a levantar e nas copas altas dos carvalhos e das faias, os pássaros chilreavam sem cessar e os animais pequenos faziam restolhar a vegetação rasteira. Liam parou de repente e eu parei também, perguntando-me a que se devia aquela interrupção abrupta, quando ouvi o tropel atrás de nós. Pela primeira vez nesse dia, Liam olhou para mim, com um olhar que era todo alarme. Tomei a dianteira e peguei-lhe na mão, puxando-o para o abrigo das árvores e empurrando-o para trás de um grande carvalho. Quem quer que fosse a passar não nos veria da estrada.

Com o coração alvoraçado, encostei a cabeça ao peito dele e fechei os olhos, tentando acalmar a respiração. Esperava que ele tentasse fazer o mesmo, porque se fosse tomado pelo pânico, eu, sozinha, não conseguiria ajudá-lo. Para minha surpresa, Liam abraçou-me, como se esperasse tranquilizar-me com o gesto; mas era ele quem estava aterrado. Retribui-lhe o abraço e ouvi-o suspirar profundamente. Não sei quanto tempo assim ficámos, mas pareceu-me uma eternidade e era tarde quando desfizemos o nosso abraço para regressarmos à estrada. Estava frio e levantara-se vento, mas caminhámos até ao crepúsculo.

Contrariamente às minhas expectativas, ele não me largou a mão; na verdade segurou-a suave e firmemente, como se eu fosse a única âncora da sua sanidade. 
Saímos da estrada e procurámos abrigo na floresta, acampando numa pequena gruta. Apesar da fogueira baixa, o frio era tão cortante que nos encostámos um ao outro enquanto comíamos frugalmente e nos quedávamos em silêncio a escutar os ruídos da noite. Quando a fogueira se reduziu a cinzas e pensava que ele já tinha adormecido, Liam murmurou:
- Perdoa-me, meu amor.
- Está tudo bem - respondi-lhe, erguendo uma mão para lhe acariciar a face. A minha fúria já se tinha dissipado e agora só desejava confortá-lo. Afundei-me no seu abraço e senti os seus lábios na minha testa.
- Não devia ter dito o que disse - ouvi-lhe a sombra da tristeza na voz.
- Nem eu - disse-lhe.

Procurámo-nos, hesitantes, na escuridão e quando os nossos lábios se tocaram, soube que a zanga tinha passado. Trocámos beijos e carinhos; depois, esquecido o medo, amámo-nos com um fervor apaixonado, até adormecermos nos braços um do outro. E no dia seguinte prosseguimos a nossa viagem de regresso à casa longínqua com o coração mais leve, mas a mente fugindo para as preocupações quotidianas e os perigos da estrada. O inverno é perigoso para viajar, mas apesar das minhas reservas, alcançámos o nosso destino antes das primeiras neves. Por quanto tempo duraria a nossa paz ou quando desapareceriam os fantasmas antigos dos sonhos de Liam, eu não sabia. Mas sabia que estávamos finalmente em casa e que tínhamos, por fim, uma hipótese de sermos felizes.

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