quinta-feira, 22 de março de 2018

Pedaços de Escrita #60





Foi naquela tarde maravilhosa, casa da Madalena, que me deslumbrei pela arte de contar histórias. Lembro-me de que celebrávamos o seu sétimo aniversário e havia um contador de histórias, que nos narrou dois contos de seguida, antes do lanche. Não éramos um público muito exigente e olhava-mo-lo com sincera admiração. Mais tarde, vi-o sentado junto à janela da sala, a escrever num caderninho preto, muito concentrado. Na minha inocência de menina, atrevi-me a perguntar:
- É o senhor que escreve as histórias que conta?
Ele olhou-me, surpreendido, por cima dos óculos redondos que lhe caíam para o nariz, e respondeu com uma gargalhada:
- Evidentemente, menina, quem haveria de ser? Os bons contadores de histórias contam-nas a partir da sua própria imaginação!
- Oh, que maravilha! - exclamei, impressionada. 
Depois mordi o lábio e arrisquei outra pergunta:
- Então, o senhor é um escritor a sério?
- Sou sim, senhora! - replicou ele, sem parecer incomodado com o meu atrevimento. 
Agradeci-lhe educadamente o esclarecimento e trocámos um sorriso sabedor, como se partilhássemos um segredo. Pouco tempo depois já tinha lido todas as suas histórias e implorei aos meus pais que me levassem a sessões de autógrafos. 
Anos mais tarde, quando comecei a trabalhar a tempo parcial na livraria da vila, os nossos caminhos cruzaram-se novamente durante uma das suas sessões de autógrafos e, por ironia do destino, ele reconheceu-me. Sorri-lhe e acenei com um encolher de ombros como quem pede desculpa; não podia abandonar o meu posto atrás do balcão naquele momento, por isso, a conversa teria de esperar. Como era a minha vez de fechar a loja, não me importei de ficar até mais tarde, durante as duas horas de conversa que se seguiram. Atrevi-me mesmo a mostrar-lhe o meu caderno, repleto de ideias rabiscadas à pressa entre uma tarefa e outra, que levo comigo para todo o lado.
Ficou comovido por saber que foi a minha grande inspiração para começar a escrever as minhas próprias histórias, pois nunca esquecia aquela conversa que tivemos quando eu não era mais do que uma menina solitária e curiosa. Essa conversa transformou-me numa contadora de histórias.

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